sábado, 19 de novembro de 2011

O conto da solidão e da espera

Hoje é aniversário de um grande amigo meu, Arthur está comemorando quase setenta anos de idade, e nessa altura da vida não deve ser muito legal sabermos a idade exata de cada um, as vezes é melhor esquecer quantos anos se tem na realidade, mas com todo certeza faz dez anos que uma criatura maravilhosa veio morar com minha família, do abandono de espírito a uma completude dos nossos dias ele chegou com calma e alegria, conseguindo caminhar da lucidez a loucura em questão de segundos, dessas criaturas que a vida insiste em chamar de louca quando na verdade são as que mais sabem o que é a vida, obrigado Arthurzinho por me fazer lembrar e viver coisas boas!
Em sua homenagem, e para que meus leitores saibam, posto aqui um conto pequenininho que escrevi algum tempo atrás em uma situação inusitada vivida por mim, nem sei se sonho ou realidade, mas como realidade é aquilo que nossa mente é capaz de produzir vamos ao conto:


O conto da solidão e da espera

     O dia de hoje foi extremamente interessante e estranho! Acordei me sentindo um pouco só, um desses dias em que o mundo pouco importa. De repente, o céu se escureceu e uma forte chuva desabou, um pouco do céu, um pouco dos meus olhos, era a solidão.
     Resolvi ir pro trabalho, as chuvas passam quando fazemos coisas de pouca importância, e trabalhar foi a forma que busquei para dar fim à tempestade. Uma correria só, e quando me dei conta estava num bingo, cheio de senhoras e senhores gordos, fartos, detesto gente farta, mas são ossos do ofício, pelo menos a chuva passou, estava trabalhando! Saí dali lá pelo meio da noite, não estava satisfeito e a solidão matinal chegou novamente, sem tempestade, chegou com calma e cansaço, não via a hora de chegar em casa.
     Corri para o ponto sabendo que àquela hora ônibus não são mais tão freqüentes. Foi nesse instante que uma figura, no mínimo exótica, me chamou a atenção, uma senhora com seus setenta e tantos anos, negra, lenço na cabeça, um xale cobrindo um vestido de flores amarelas, a solidão personificada ao meu lado. Curioso me sentei ao lado dessa moça, tirei minha carteira de cigarros do bolso, precisava de companhia, e o cigarro é um ótimo companheiro nessas horas, mas o olhar que me foi lançado era quase incriminador. Nesse instante pensei em puxar assunto, mas outro pensamento me dominou: diante do meu silêncio e também do silêncio daquela figura constatei que esperávamos, eu jovem, cheio de vigor esperava o ônibus que demorava, ela, velha, sem definição esperava alguma coisa que eu não conseguia imaginar o quê.
Quando de um momento pro outro ela começou a emitir um som, parecia uma canção, de roda ou de ninar, e me passou pela cabeça estar ao lado de uma poetisa. Olhávamos os poucos carros que passavam, e as poucas pessoas também, e os segundo passavam, a vida passava e a noite com ela.
O que deve-se fazer quando alguém ou alguma coisa cai? Foram as primeiras palavras que ela me direcionou, e eu imediatamente respondi que quando isso acontece deve-se levantar, disse ainda que todos caem e que a habilidade está em se recompor após as quedas, logo eu falando isso.
     E entre quedas e recomposições falamos de alicerces, casa, abrigo, alma gêmea. Estava certo de que era uma poetisa... Uma e quarenta da madrugada e aquela figura sem esperança esperava, pensei que tudo passa rápido demais, menos o meu ônibus. Tudo fazia sentido, ela era ou foi uma dádiva de Deus, o dia e a noite valeram à pena, eu sorri, sofri, ela também, e me disse uma coisa meio sem sentido, mas que me fez sentir: construa primeiro e com calma, fica mais sólido, e se cair dá pra recuperar, eu não tenho casa e sua alma gêmea vai chegar com calma.
     Tive certeza da presença de Deus, numa dessas criaturas que todos os “normais” chamam de loucas e por isso as isolam, excluem, até que outro louco, mesmo que por alguns minutos, descobre na loucura de cúmplices a vida como deve ser.
     Éramos eu e ela, loucos e poetas na madrugada do Rio, naqueles minutos tudo passava de forma fugaz, menos nós, de alguma forma estávamos estáticos, a velha e o moço, o fim e o início, antíteses e contradições, e uma certeza: esperávamos, eu o ônibus da vida, ela a morte...
     Detesto os fartos, amo os famintos de vida, ela não se fartava de viver apesar de sentir a presença da morte, nem eu me cansava de sonhar.

Silva Pardal

Um comentário:

  1. Lindo texto! O "Arthurzinho" ficaria muito orgulhoso de você e se emocionaria de verdade se entrasse em contato com esse texto. É Marcelão... você está merecendo virar um literário brasileiro reconhecido por todos porque por mim e por diversos outros alunos e AMIGOS, você já passou de Literário faz tempo. Um Grande abraço IRMÃO, vou sentir saudades de você quando tudo acabar!
    Por: Silvio dos S. Júnior

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